40 dias de tentação

Repetidas vezes passamos muito rápido sobre o texto que estamos lendo sem meditar nem entender o que está sendo dito. Parece que o sentimento de leitura cumprida assalta nossas mentes e nos faz concluir que se chegarmos à última palavra, teremos lido. Mas sem entender? Não é sensato. Muitos foram os textos, inclusive os sagrados, que já li até mais de uma vez, porém, o significado de parte ou grande parte, permanece intocado pelo meu entendimento a despeito de não ser novidade para os meus olhos.

Quando foi que percebi que Jesus ficou quarenta dias sendo tentado? Não obstante o fato da consciência dos acontecimentos que viriam a seguir, a realidade de estar só, no deserto, forma quarenta dias, não os quarenta décimos de segundo gastos pelos meus olhos para percorrer estas palavras. Não foram quarenta minutos, quase um tempo de um jogo de futebol, ou o tempo que fico na fila do banco em dias de razoável movimento. Foram quarenta dias! Ser tentado é uma daquelas situações indesejáveis, aqueles momentos que parecem eternos! Eu sei o que é ficar quarenta minutos esperando minha mulher ficar pronta para sairmos. Sei como passam rápidos os gloriosos quarenta dias para pagar a fatura do cartão de crédito. Mas convenhamos, como demora a passar os quarenta dias quando temos algum dinheiro para receber! Agora, quarenta dias sendo tentado! Posso imaginar algumas coisas, como a fome, a sede, as fraquezas naturais, as dúvidas, as lágrimas, o olhar distante, o calor, o frio, a solidão, etc. Mas o que realmente acontecia com o Senhor, somente quando Ele mesmo me contar terei alguma ideia. É muito tempo.

 

Diria que quatro minutos no deserto já é tempo suficiente para te fazer pensar muito sobre muitas  coisas, para te fazer sentir saudades da sua casa, do seu chuveiro, dos seus livros e da sua geladeira. Mas  quarenta dias me fazem perder de vista as possibilidades de sofrimento. Só de pensar em ficar tanto tempo a sós comigo mesmo, já sinto certa preocupação. Muitas vezes quis ficar sozinho, sai por aí pensando em ir longe, demorar a voltar para casa, em geral por algum desentendimento familiar. Muito antes do prevista estava eu de volta. Talvez por perceber que o maior problema ainda estava muito perto de mim. Bem mais perto do que eu poderia desejar. Era eu mesmo. Ficar por longos quarenta dias, privado de vários confortos e apenas com a própria companhia? Facilmente entende o desespero imediato de Hanks ao jogar Wilson no mar!

   Muitos pintam Jesus como um super-herói e imaginam que de fato ele nem sofria na pela as  coisas, afinal era Deus. O testemunho da escritura é claro em afirmar seu profundo sofrimento, seu aprendizado em meio às dores e a indescritível propiciação. Esta última palavra apenas poderia ser objeto de estudo por toda a existência humana sem ao menos chegarmos perto do seu significado pleno. Aqui está o centro de todas as coisas. Se Jesus não era de fato totalmente homem e totalmente Deus, não seria diferente de um ovo cozido! Ou grande líder, grande isso ou aquilo, todas as asneiras que o divisor de águas da história da humanidade tem sido chamado. Se  Ele não for o que disse ser, nada mais importa.

A tentação foi um prenúncio da vitória. Mas para que se pudesse falar de triunfo, quarenta dias foram introdutórios. Não triviais. Não foi brincadeira. Não foram as míseras tentações financeiras ou sexuais, embora inclusas. Foram as reais tentações, aquelas que eu jamais poderia suportar. Foi o prefácio da redenção.